EM ÁFRICA OS POBRES NÃO SÃO GENTE

O Banco Mundial disse hoje que em 2022 houve mais 21 milhões de pessoas na África subsaariana em insegurança alimentar aguda, ultrapassando os 140 milhões, avisando que a situação pode piorar se a dívida pública não for controlada. Ou seja, se como em Angola, os governos não existirem para servir os povos mas, apenas e só, para deles se servirem.

Na parte do relatório sobre a região onde estão seis dos nove países lusófonos, o Banco Mundial diz que “quase 60% das pessoas em pobreza extrema, que gastam uma parte substancial do seu rendimento em comida, vivem na África subsaariana; em 2022, o número estimado de pessoas em insegurança alimentar aguda ou pior ultrapassou os 140 milhões, mais quase 24 milhões do que em 2021”.

“O aumento no custo de vida, intensificado pelos efeitos da guerra na Ucrânia, reduziu a capacidade de as pessoas comprarem comida e fez descer a procura interna na região, especialmente em países onde falta espaço político para defender os mais pobres”, acrescentou o Banco Mundial, salientando o impacto da subida dos preços dos alimentos na inflação.

“O aumento do preço dos alimentos, que representa mais de metade da inflação total, empurrou a média da inflação na África subsaariana para 13%, quase três vezes o valor antes da pandemia, e a inflação anual nalguns países, como o Gana e o Ruanda, ultrapassou os 30%, com o aumento dos preços da comida a exceder 20% num quarto das economias da região”, aponta o Banco Mundial.

A situação, lê-se no relatório sobre as perspectivas económicas mundiais, poderá ainda piorar se as depreciações das moedas continuarem e levarem a um aumento do rácio da dívida sobre as economias, já de si afectadas por um crescimento insuficiente para melhorar as condições de vida das pessoas.

“O rácio da dívida sobre o Produto Interno Bruto continua acima dos 60% em quase metade das economias da região; a sustentabilidade da dívida e o sentimento dos investidores deteriorou-se ainda mais em muitos outros países, levando a aumento dos custos de endividamento, como na Zâmbia e no Gana”, salientou o Banco Mundial, notando que os países produtores de petróleo conseguiram aumentar as receitas devido à subida dos preços nos mercados internacionais.

Se as taxas de juro crescerem mais do que o esperado devido ao prolongamento das pressões inflacionárias, “poderá ser desencadeada uma crise financeira e incumprimentos financeiros dos governos, que teriam grandes efeitos adversos no crescimento e na estabilidade financeira em muitos países, especialmente onde os banco estão muito expostos à dívida soberana, como no Gana, Quénia e Serra Leoa”, avisam os economistas.

O documento prevê um crescimento de 5% na África subsaariana neste e no próximo ano, ligeiramente abaixo da previsão de Junho, dizem os economistas, alertando que “o ambiente externo deverá continuar desafiante para alguns países, com mais declínios em vários preços de matérias-primas, o que deverá prejudicar as receitas e as exportações”.

Muitos países, acrescentam, “deverão continuar a enfrentar preços elevados para as importações de fertilizantes e combustível, apesar de abaixo do pico registado no ano passado”.

A nível regional, a África subsaariana deverá ter crescido 3,4% no ano passado, 0,3 pontos percentuais abaixo da previsão de Junho, devido à descida previsão de crescimento “em mais de 60% dos países” devido ao abrandamento da economia global e do aperto nas condições financeiras, em conjunto com o aumento da inflação, que prejudicou as já de si frágeis recuperações e ampliou as vulnerabilidades internas”, conclui o Banco Mundial, que baixou de 3% para 1,7% a previsão de crescimento global para 2023.

FOME PODE MATAR 123 MILHÕES DE AFRICANOS

O chefe de divisão no Departamento Africano do Fundo Monetário Internacional (FMI), Luc Eyraud, disse no passado dia 15 de Outubro que, desde 2019, cerca de 40 milhões de pessoas engrossaram o número de africanos que podem morrer de fome, para um total de 123 milhões. Angola (ainda) pertence a África?

“A insegurança alimentar é muito preocupante, o número de pessoas em severa insegurança alimentar subiu para 123 milhões; há muitos conceitos sobre má nutrição, insegurança alimentar extrema, mas o que isto significa é que correm risco de vida, há famílias a morrer porque não têm comida suficiente, e o número aumentou massivamente nos últimos três anos, uma em cada três destas pessoas entrou nesta situação desde 2019”, disse Luc Eyraud.

Em entrevista à Lusa no âmbito da divulgação do relatório sobre as perspectivas económicas para a região da África subsaariana, o director de divisão responsável pela produção do documento afirmou que há muitas razões para a degradação das condições alimentares de boa parte dos países em África, mas salientou as perturbações na cadeia de abastecimento e o aumento de preços, além do impacto da invasão da Ucrânia pela Rússia e da evolução cambial das moedas africanas.

“Como os preços são em dólares, a inflação sente-se mais nestes países, e as alterações climáticas criaram a maior seca dos últimos 40 anos no Corno de África, por isso juntando todos estes factores, ficamos com uma preocupação enorme”, afirmou o responsável, falando através de videoconferência a partir de Washington, onde decorrem os Encontros Anuais do FMI e do Banco Mundial.

Questionado sobre o que podem os países africanos fazer para contrariar a situação, Luc Eyraud disse que, a curto prazo, as transferências de capital para as famílias são fundamentais, mas salientou que a ajuda não pode ser permanente.

“O que aconselhamos a curto prazo é um sistema de transferências sociais bem estabelecido, como acontece em Portugal, mas em África é muito difícil fazer isto, não só pela falta de infra-estruturas, mas também pelo peso do sector informal na economia, o que acaba por fazer com que toda a gente tenha subsídios e beneficie dos cortes de impostos sobre a energia e os alimentos”, explicou.

“Temos de reconhecer que é legítimo usar estes mecanismos em situação de emergência, mas dadas as vulnerabilidades das finanças públicas, estas ajudas não podem ser permanentes, e esse é o maior desafio: ajudar, sim, mas reconhecer que as ajudas são muito caras e não são direccionadas especificamente para quem delas mais precisa”, apontou.

A médio prazo, acrescentou, África precisa de “aumentar a produção alimentar, mas apostando em medidas e técnicas que sejam resilientes às alterações climáticas, por exemplo utilizando novos tipos de sementes”.

Desde o início da pandemia de Covid-19, no princípio de 2020, o FMI já canalizou cerca de 50 mil milhões de dólares (51,12 mil milhões de euros) para os países da África subsaariana, incluindo os 23 mil milhões de dólares (23,51 mil milhões de euros) em Direitos Especiais de Saque, e tem programas de assistência financeira em 22 dos 45 países da região.

O FMI lançou a janela de financiamento contra choques, o Fundo de Resiliência e Sustentabilidade, que permitirá aumentar o capital disponível para os países em necessidades, calculado em função de um aumento de 50% sobre o valor que podem pedir emprestado ao FMI, que é actualmente 150% da quota de participação na instituição.

“É um montante decente de verbas que podem dar uma ajuda significativa”, disse, salientando que o valor depende de país para país.

Para já, este novo fundo já está dotado de 20 mil milhões de dólares 820,4 mil milhões de euros), e tem já garantidos compromissos no valor de 37 mil milhões de dólares (37,8 mil milhões de euros), perto do objectivo de 45 mil milhões de dólares (46 mil milhões de euros) definido quando foi anunciado.

Folha 8 com Lusa

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